Arquivo para Terror

Pedrinho

Posted in Conto with tags , , , , on 04/04/2010 by caioguilherme

Meu nome é Pedro. Quando eu era criança todos na vila, obviamente, me chamavam de Pedrinho. Um apelido clichê, mas especial. Era bom estar com o pessoal na vila, correndo e jogando bola sem ter de lidar com a vida dentro de casa.

Morava com uma tia, que me adotara quando meus pais morreram. O nome dela não importa muito. Enquanto todos me chamavam de Pedrinho, ele me dava apelidos especiais, como estrupício, tratante, capeta e vagabundo. De filho da puta só chamou uma vez e sem querer, ela se sentiu mal depois disso, xingar os mortos era pecado. Nesse dia ela me sentou a mão e me arremessou contra a parede, me culpando por tê-la feito me xingar. Julgando pelo quanto apanhei dessa caridosa tia posso afirmar que eu devo ter sido uma criança com extrema dificuldade de dar ponto com nó, pois toda minha ação levava para uma reação bastante corretiva por parte dela.

 Mas não posso reclamar muito dessa minha tia, sabe? Cuidou apropriadamente de mim e me foi responsável pela minha primeira lembrança nesse Mundo. Eu, com uns quatro anos de idade, deitado no tapete da sala e ela com um garfo daqueles de espetar a carne assada encostado na minha barriga. Não lembro o que fiz pra ela me ameaçar, só sei que nunca mais fiz! Lição aprendida!

Pobre tia, hoje está tão velha e doente. Mandou até me dizer que gastou a vida dela cuidando de mim e por isso que tava toda acabada. Fiquei chateado, mas decidi subir no ônibus e levar um pouco de alegria pra ela.

Domingo frio e nublado, o ônibus demorou muito mais do que o normal para passar. Cheguei molhado e fedorento na casa da velha. As flores que comprei já chegaram todas murchas. O pão também. Ela abriu a porta reclamando, bufou quando viu que era eu e não aparentou ter gostado muito das coisas que eu lhe trouxera:

“Dei minha vida por você e para te educar. E você me aparece com esse lixo?”

Depois do simpático resmungo, virou-me as costas, caminhou para o quarto e deitou na cama. Eu a segui e a sufoquei com o travesseiro, curando-a de sua gripe e libertando da vida de sacrifícios que impus a ela. No final das contas, fui tão bom sobrinho quanto ela foi tia.

Na casa dos demônios (parte II)

Posted in Conto with tags , , , , , on 06/03/2010 by caioguilherme

A sombra dançou um bom par de minutos e eu não consegui esboçar nenhuma reação muito convincente, já que estava boquiaberto e congelado. No final da dança a sombra virou um velho de aparência simpática e familiar.

“Olha, veja bem. Bom dia.”

Não consegui lhe responder nada, de certa forma ele era muito mais estranho que a mãe e o filho de belzebu, que eu havia enchido de balas e esmagado até virar purê.

“Não precisa falar nada. Você consegue esmagar uma criança e uma mulher, mas não consegue falar consigo mesmo. Você, só para sua informação, vai sentir bastante a falta dos dois.”

Continuei quieto, mais concentrado em tentar fazer meus braços e pernas funcionarem.

“Eu sou você e você não vai se mexer até eu deixar que o faça. Desculpe se sou ríspido, mas vou colocar tudo em termos simples: a casa te dá uma escolha, ou você se rende e se transforme em mim, vivendo preso aqui até o fim dessa bela rocha chamada terra ou você mete um buraco de bala na testa e morre condenado e sujo para sempre. Qual vai ser?”

“Nenhum dos dois?” – fiquei surpreso ao conseguir responder.

“Eu tinha esquecido do quão imbecil eu era quando era você, sabe? Essa arrogância para disfarçar o medo, achando-se um leão da savana, detonando tudo e todos, ao invés de reconhecer a verdade de que só é um carneirinho boboca. Você vai aprender…”

Assim que ele disse isso, acabou se desmaterializando em minha frente. Num canto da sala havia um corpo novo, o meu próprio com um bala na testa, acenando alegremente para mim. De arma em punho me aproximei e, quando cheguei bastante perto, o corpo sorriu e piscou, desaparecendo.

Não tive tempo de ficar me questionando que diabos era aquele corpo e o velho que dizia ser uma opção de mim mesmo. Do nada uma porção de larvas, muito brancas, com bocas e dentes, caíram do teto e saíram de buracos, até então inexistentes, da parede e do chão. Elas pareciam só querer uma única e exclusiva coisa, Eu.

Tentei sair daquele cômodo, mas as larvas do teto começaram a morder meu corpo e me couro cabeludo, assim como as que saíram do chão começaram a morder meus pés. Corri, mesmo desajeitado, até que uma, na minha mão, mordeu e arrancou meu dedão. A dor e aflição foram excessivas e desmaiei. Era o fim.

Aparentemente não foi. Acordei, ainda na casa, deitado num sofá. Minha mão estava embrulhada num pano todo ensangüentado. Minha cabeça doía muito e ao colocar a mão nela senti inúmeras feridas, as malditas larvas, haviam inclusive, arrancado muito do meu cabelo. Careca, sem dedos e todo ferido. A arma também tinha sumido. A minha única dúvida era saber quem havia me “ajudado” e embrulhado meu dedo no pano.

“Claro que foi você mesmo. Na verdade fui eu, que sou você.”

Não respondi, dessa vez não por não conseguir, mas por não ter mais vontade.

“É estranho ser mal educado consigo mesmo. A auto-flagelação é um contra-senso. Antes eu estava preso aqui por todo a eternidade, mas tinha dedos e cabelos. O lance das larvas foi inédito até para mim.”

Aquilo devia ser algum tipo de teste e eu não estava passando. O próprio demônio devia estar encarnado dizendo que era eu. O que fazer? Não sabia mais de arma e nem tinha forças para matá-lo a pauladas, como tentei fazer com a mulher e a criança.

“Sempre batendo nessa tecla da mulher e da criança, não? Só para sua informação, quando eu entrei aqui, só havia a mulher. Passaram-se 9 meses e a criança surgiu. Faça as contas.”

Olhei com nojo para o sujeito que se dizia eu.

“Eu sou você, não tenha dúvidas. Um você de um outro lugar, mas em essência você. E você matou o nosso filho e mulher. Ruim, não?”

Imaginei o quão nojento seria ter aquelas três tetas na boca ou o quão terrível seria ninar aquele pequeno capeta.

“A casa ajuda nessas horas. Aqui é uma prisão, mas uma prisão de sua própria vontade. Não é?”

A pergunta não foi para mim. O sujeito, igual a mim, com uma bala na testa se aproximou e disse:

“É sim. Por sinal, eu também sou você. E dar um tiro na cabeça, não adianta de nada.”

“Se eu ainda tivesse minha arma. Já teria dado um fim nos três.” – respondi.

“Impossível, eu a peguei e dei um jeito. Não reparou que você e o velho também tem buracos de bala? As coisas são assim mesmo, estamos presos.” – ele respondeu apontando para meu peito, estourado e com um grande buraco de bala, que, por sinal, não doía nada. O velho fez sua cabeça girar – algo bem de filme trash – e me mostrou um buraco em sua nunca, olhando para o cara do buraco na testa com um enorme desprezo.

“ E ai qual vai ser agora?” – os dois me perguntaram ao mesmo tempo.

Não tive tempo de responder, a campainha da casa foi tocada, eles me mandaram abrir a porta ao mesmo tempo em que fazia a minha escolha.

Me senti compelido a obedecer. Na caminhada até a porta nenhum bebê mutante e nem um tipo de larva tentou me matar. Achei um sinal bacana. Quando cheguei na porta, fechei os olhos, toquei a maçaneta, desejei a atendi. Era você.

“E o que você escolheu?”

“Isso não importa. Você e eu estamos aqui. E eu sou você e você sou eu, se você ainda não reparou”.

“Eu quero sair daqui.”

“Desencana, o velho e o cara do buraco na cabeça estão arrumando o jogo na próxima sala. Para o truco, precisamos de quatro. Bem vindo…”

Na casa dos demônios (parte 1)

Posted in Conto with tags , , , , , on 12/02/2010 by caioguilherme

Na casa dos demônios (parte 1)

Quando chutei a porta do casarão mal podia imaginar o que me esperava: uma mulher imensa – daquelas bem gordas mesmo – estava escorada na parede oposta a porta e, sentada, apresentava, no colo, um bebê mamando vorazmente. Logo percebi que havia algo errado naquela cena, os sons do bebê não podiam ser considerados, em hipótese alguma, humanos. Uma estranha baba verde escorria da boca dele e assim que ele percebeu minha presença parou de mamar, virou seu corpo para trás e – com uma agilidade impressionante – pulou em minha direção, atravessando os 5 metros que havia entre nós dois.

Escapei daquela primeira investida por alguns poucos segundos. O pulo foi tão impressionante que aquele bebê sebento só foi aterrissar no pátio de fora da casa. Não consegui fechar a porta antes que ele entrasse de volta, o safado era rápido que nem um rato e correu para um canto distante da sala, onde ficou parado me encarando. Pude, então, sentir o estranho cheiro de azedo e estragado que emanava da mãe – gorda e imóvel na parede – e de seu rebento demoníaco, que só se diferenciava de uma criança comum por causa dos seus dentes escuros e afiados e de seus olhos dum vazio perolado e assassino. Minha observação foi interrompida pelo ratinho humano quando ele decidiu investir contra mim novamente. Não hesitei e nem pensei em me esquivar, atirei no bebê babão no meio do seu pulo, fazendo com que a bala atravessasse seu crânio e interrompesse seu salto, provocando uma espécie de cambalhota. Ele caiu – sem vida ou existência – gerando o famoso baque surdo e ficou lá parado, sujando o chão.

            Me aproximei da mãe escorada na parede. Durante todo meu diálogo amistoso com o filho, ela não esboçou qualquer reação. Quando cheguei mais perto e reparei em seu corpo todo o meu ser se embaralhou em náuseas. O diabólico infante fora interrompido quando se alimentava num estranho terceiro seio, que brotava entre os dois ocupantes originais de seu peito. Este seio chegava parecer uma meia pendurada numa lareira natalina, só que neste caso era de carne, tinha mamilo e escorria um leite gosmento. Nenhuma outra anomalia anatômica conseguiu chamar minha atenção como esta chamou. Toda a capa de gordura impedia qualquer observação mais atenta. Em um primeiro momento até pensei em checar coisas importantes, como os sinais vitais, e cheguei a ensaiar uma maior aproximação, mas um frio percorrendo minha espinha me deu o sábio conselho de mirar na testa da bela senhora e acabar com aquela situação. Atirei sem me importar com dor, com alma e nem nada transcendental. Só queria livrar o Mundo daqueles dois, parecia, até mesmo, um dever moral e cívico de todo ser humano decente.

            Depois de abater a mãe eu dei alguns passos para trás e pensei em me virar e dar uma olhada quase científica no bebê de cérebro espatifado. Não tive tempo, quando meu corpo começou a descrever os 180 graus, sentiu um enorme impacto, lançando-me para o chão. Era o maldito bebê de cabeça aberta, tentando me morder. Consegui segurar sua cara e atrapalhar as oportunidades de mordida, o que não impediu que ele cravasse garrinhas em meu peito como um valentão faria com suas unhas no suéter dum colega mais humilde de força.

Rolamos no chão por alguns minutos antes que eu conseguisse – com o custo de algum sangue – me desvencilhar. Taquei o infame bebê do outro lado da sala e cravei mais balas nele do que o número de dedos de um elefante. Uma gosma verde amarelada saiu de seu corpo nanico e dissolveu uma parte do chão. Antes de recarregar meu revólver, e como garantia, peguei uma cadeira que estava jogada ali na sala e quebrei seus pés, transformando-os em tacos. Bati tanto no bebê demônio quanto na mãe, a ponto de transformá-los em pudim em pó, esperando, somente e tão somente, que alguém os ensacasse e colocasse numa prateleira de supermercado. Até fiquei um pouco feliz com isso, mas me lembrei de que eram os ossos do ofício e a aproximação desse interessante massacre com a palavra trabalho tirou toda a graça do ato.

Depois de concluir este pequeno “serviço” doméstico e comercial foi que percebi a estranha atmosfera em formação na casa, por alguns momentos o ar parecia estar se tomando de pura e insana insatisfação, com a casa desejando me ver morto e enterrado nos confins mais escondidos de seu porão escuro. Logo uma mancha escura surgiu no meio daquela primeira sala, ensaiando uma dança e se materializando em minha frente. Uma voz medrosa e cansada – a da minha consciência, confesso – passou a me sussurrar um sermão bastante nervoso, mostrando o quanto eu estava encrencado.

Os acontecimentos seguintes provaram que ela ainda não tinha a menor idéia do quanto.