Uma crônica sobre talento.

No Campeonato Paulista de 2009 o volante Hernanes, do São Paulo, fez um belo gol de sem pulo. Mesmo superado alguns meses depois pelo gol incrível de Diego Souza, do Palmeiras, o sem pulo de Hernanes não foi esquecido por mim. E foi por um motivo que talvez vá um pouco além dele: os comentários que gerou.

Praticamente abandonada na parte cultural dos jornais a Crônica ainda ganha alguma relevância na seção esportiva. Alguns autores resumem-se aos comentários rotineiros e essencialmente jornalísticos, isso um pouco pelo mau exemplo dos escritores do caderno cultural, como o Ferreira Gullar e o Veríssimo, que têm se limitado ao caráter colunístico, não atingindo o fazer literário, pelo qual se consagraram. Tostão não. O velho jogador de futebol escreve, algumas vezes, textos tão memoráveis em sua coluna/crônica quanto são belos alguns lances e gols, como o sem pulo de Hernanes é um exemplo. É como que se impedido pelo tempo de jogar bola magistralmente, Tostão extravasasse o algo mais que possui para o papel, na escrita e na poesia do futebol.

Sem saber ao certo como estava fazendo aquilo, o velho jogador de futebol escrever com suas enrugadas mãos uma belíssima crônica sobre o gol do jovem Hernanes. Tão bela quanto o gol e uma tarde ensolarada de outono, a crônica comentou o lance fazendo com que o leitor notasse o quão mágico era o talento do jogador e o quão interessante era o fato de que ele realizava o lance sem nem entender ou conseguir construir racionalizações sobre os místicos e técnicos recursos físicos e espirituais que lhe permitiam fazer aquele gol.

Achei engraçado quando percebi algo sobre o Tostão. Ele, muito possivelmente, não sabe ao certo o como e o porquê de aquele seu texto ter tanta qualidade e vencer a barreira do jornal e do efêmero que os outros colunistas têm se mantido tão fiéis e tão felizes por tanto tempo.

O Talento é algo assim mesmo, de mágico e irracional, de momento e de inspiração. A Técnica está no oposto, ligada com o racional, com o previsível e com a transpiração,  tão alardeada pelos escritores atuais, numa tentativa de valorizar sua profissão perante a sociedade – necessidade que talvez não exista, talvez exista.

Entre Técnica e Talento, entra a transpiração e a inspiração eu me coloco a favor do Talento, pois este gera aquilo que é belo e imprevisível, algo de único, como sem pulo de Hernanes e Diego Souza, a crônica de Tostão e uma tarde ensolarada num outono qualquer.

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